"Lá está ela, mais uma vez.
Não sei, não vou saber, não dá pra
entender como ela não se cansa disso.
Sabe que tudo acontece como um jogo, se é
de azar ou de sorte, não dá pra prever. Ou melhor, até se pode prever, mas ela
dispensa. Acredito que essa moça, no fundo, gosta dessas coisas. De se
apaixonar, de se jogar num rio onde ela não sabe se consegue nadar. Ela não
desiste e leva bóias. E se ela se afogar, se recupera. Estranho é que ela já
apanhou demais da vida. Essa moça tem relacionamentos estranhos, acho que ela
está condicionada a ser uma pessoa substituta. E quem não é? A gente sempre
acha que é especial na vida de alguém, mas o que te garante que você não está
somente servindo pra tapar buracos, servindo de curativo pras feridas antigas?
A moça.. ela muito amou, ama, amará, e muito se machuca também. Porque amar
também é isso, não? Dar o seu melhor pra curar outra pessoa de todos os golpes,
até que ela fique bem e te deixe pra trás, fraco e sangrando. Daí você espera
por alguém que venha te curar. As vezes esse alguém aparece, outras vezes, não.
E pra ela? Por quem ela espera? E assim, aos poucos, ela se esquece dos socos,
pontapés, golpes baixos que a vida lhe deu, lhe dará. A moça - que não era
Capitu, mas também tem olhos de ressaca - levanta e segue em frente. Não por
ser forte, e sim pelo contrário... por saber que é fraca o bastante para não
conseguir ter ódio no seu coração, na sua alma, na sua essência. E ama, sabendo
que vai chorar muitas vezes ainda. Afinal, foi chorando que ela, você e todos
os outros, vieram ao mundo."
Caio Fernando Abreu
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